quarta-feira, 23 de abril de 2008

Confissões e Retórica

Por Deiber Nunes Martins

Passo agora a confidenciar o que para muitos será uma surpresa. Mas para mim é a mais doce e pura realidade. Devo abandonar tudo e mudar completamente a minha vida. Fora com o trabalho, com a rotina angustiante, fora com os círculos viciosos de amizades, fora com as companhias inconvenientes, as obrigações sem nenhum sentido. Fora com tudo isso.
Estou deixando tudo para trás, para uma vida nova. Deixarei meu emprego para tornar-me um jardineiro. Já tenho até local de trabalho definido: um lindo jardim repleto de flores e a orquídea mais linda que já vi em toda a minha vida. Aliás, é por causa desta flor que estou deixando tudo para trás.
Muitos chamar-me-ão de louco. Porém minha maior loucura é não ter tomado esta decisão antes. Agora, eu encontrei minha Passárgada. E vou a ela, pois não quero morrer sem ter vivido o que tenho de viver. Não quero o sonho dos muitos, mas quero o que todos sonham, a felicidade.
Troco o teclado e o computador por papel e lápis e ferramentas de jardinagem. Mesmo que por vezes o mais importante a fazer possa ser feito com as próprias mãos, revolvendo a terra e arrancando as ervas daninhas. Muitas vezes também, poderei apenas usar meus ouvidos, escutando as palavras que serão o meu tesouro Ou simplesmente com o olfato, sentindo o delicioso aroma desta flor que é a razão da minha vida.
Para viver este momento, preciso me concentrar em um dia por vez. E viver a vida simples de um dia só. Descobrir toda a essência da vida nas pequenas coisas, na simplicidade do coração. Assim, posso ganhar tempo deixando de lado tudo aquilo que é grandioso e que não cabe a mim resolver. E ainda deixar de lado o que é complexo, para me concentrar no que realmente importa. Nem sempre será fácil, mas é minha disposição para o serviço que conta. Então, eu vou tranqüilo, na certeza de que minha recompensa é certa. Mesmo que não seja tudo o que imaginei, mesmo que não seja o que eu posso contar.
Minha decisão é definitiva e até segunda ordem (que venha do alto) não é passível de revogação. Meu futuro eu desconheço, mas sei que será na simplicidade dos dias felizes. Em minha Passárgada, serei formado enquanto realizo meu trabalho. Doravante, fica pra trás o velho homem, em busca dos sonhos de todo mundo e surge o homem novo, o jardineiro, em busca do cultivo da mais bela orquídea já vista nesta vida.
Um homem é o que é por ele mesmo. Eu sou eu. E dentro do meu universo particular procuro me reinventar. Mantenho minha essência humana, o que muda é o ofício. Uma mudança radical e difícil. Mas não estou sozinho. Deixo de lado minha sala fechada, o doce ambiente hostil, para assumir a simplicidade do jardim, sempre belo, que emoldura meu coração. E tudo ou quase tudo, por culpa de uma flor. A mais bela flor, doce amor de minha vida.

Belo Horizonte, 22 de abril de 2008.

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