domingo, 23 de maio de 2010
Nossa Senhora do Ó
Fontes:Augusto de Lima Júnior, 'História de Nossa Senhora em Minas Gerais', Imprensa Oficial, Belo Horizonte, 1956, pp. 255-265.Nilza Botelho Megale, 'Invocações da Virgem Maria no Brasil', Editora Vozes, Petrópolis, 1998, pp. 351-356.
´O historiador mineiro Augusto de Lima Júnior encontrou no livro 'Flores de Maria', do padre Martinho da Silva, sacerdote português, as seguintes informações sobre este título mariano: 'Celebrando-se em Toledo, o Concílio Décimo, em que presidiu Santo Eugênio, arcebispo daquela igreja, se determinou que a festa da anunciação se celebrasse e se transferisse para o dia 18 de dezembro, oito dias antes do Natal; depois sucedendo no Arcebispado Santo Ildefonso, sobrinho de Santo Eugênio, e havendo disputado e convencido os hereges que queriam macular a virgindade puríssima da Mãe de Deus, ordenou que a mesma festa se celebrasse nesse dia com o título de Expectação do Parto da Beatíssima Virgem Maria, e como nas suas vésperas se começam a dizer as Antífonas maiores que principiam pela exclamação ou suspiro - Oh! por isso se chama a esta solenidade de Nossa Senhora do Ó'.
Em Portugal, segundo o citado historiador, fonte de nossas origens religiosas o culto de Nossa Senhora do Ó teve início em Torre Vedras, conforme narra Frei Agostinho de Santa Maria em sua obra 'Santuário Mariano'.:'Começou a celebrar a Igreja de Toledo a Expectação do Parto de Nossa Senhora, desejando imitá-la nos imensos e eternos desejos com que suspirava por ver e regalar já em seus braços ao Divino Verbo, e aproveitando-se das saudosas vozes com que o rogavam por tantos séculos os Santos Patriarcas e Profetas (como vemos naquelas sete misteriosas antífonas que começam pela letra O e de que a Igreja usa nas vésperas dos sete dias antes do nascimento de Cristo), concluía o Ofício Divino com umas vozes sem concerto nem harmonia, dizendo todo o clero e todo o povo a gritos - Ó Ó Ó...''Destes Ó Ó, teve princípio o intitular-se esta festa a festa do Ó, e também o dar-se este título à mesma Senhora em suas imagens, que era o mesmo que intitularem a Senhora em seus desejos, ou celebrar a festa dos desejos da Senhora.
A Vila de Torres Novas é povoação mui nobre e mui antiga e pelas suas boas qualidades a estimavam muito entre os mouros. Tomou-lha, El-Rei Dom Afonso Henriques no ano de 1148. El-Rei Dom Diniz a deu à Rainha Santa Isabel, quando em São Bartolomeu de Trancoso se avistou com ela.
Depois foi dos Infantes e deles passou ao Infante Dom Jorge e se conservou até aqui na Casa de Aveiro, que são os Duques de Torres Novas. Nesta Vila é tida em grande veneração uma antiga imagem da Rainha dos Anjos com o título de Ó. Também se chamou Nossa Senhora de Almonda por causa do rio Almonda, que banha aquela Vila. Chamou-se, também, da Alcaçova, por ser achada em uma gruta aonde a esconderam os cristãos na perda da Espanha, que eram umas concavidades que estavam junto aos alicerces que então se abriram por mandado Del-Rei Dom Sancho I, quando se edificou o castelo daquela Vila pelos anos de 1187.
Com esta Santa Imagem se achou também a do Santo Cristo, que hoje se venera ainda na paróquia de Santiago e outra de São Braz, ao qual se lhe edificou Ermida própria no ano de 1212, e no mesmo ano se edificou ou reedificou a igreja em que hoje é a Senhora do Ó venerada'.
Frei Agostinho assim descreve a imagem da Senhora do Ó, da sua igreja a de Torres Novas em Portugal: 'É esta santa imagem de pedra mas de singular perfeição. Tem de comprimento seis palmos. No avultado do ventre sagrado se reconhecem as esperanças do parto. Está com a mão esquerda sobre o peito e a direita tem-na estendida. Está cingida com uma correia preta lavrada na mesma pedra e na forma de que usam os filhos de meu padre Santo Agostinho'.
Outras imagens da Senhora do Ó existem em Portugal: em Elvas, em Águas Santas, junto do porto, em Viseu, em Tornar.
No Brasil, a mais antiga sede de trono da Senhora do Ó, está em Pernambuco, em Olinda. Em 28 de julho do ano de 1719, suou esta Santíssima Imagem muito copiosamente, e se viam cair de seus puríssimos olhos, grandes lágrimas, e de seu soberano rosto umas bagas como pérolas, que muitos sacerdotes a limparam com sanguinhos e com algodão. Esta grande maravilha se autenticou pelo Reverendo Cabido de Olinda e se publicou o milagre.
Estes sanguinhos e o algodão molhados naquele licor, aplicados a vários enfermos cobraram repentina saúde. E continuamente esta misericordiosa Senhora, obrando muitos e grandes milagres.
Em muitos lugares se implantou a devoção, movida pelas manifestações milagrosas da Imagem de Olinda. Entre elas cita frei Agostinho a da Ilha de Itamaracá, a de Mopubú, a de Goiana, Ipojuca, e por fim a de Nossa Senhora do Ó de São Paulo: 'Duas léguas distante da cidade de São Paulo há uma aldeia de índios nas ribeiras do rio Tietê. É este rio muito caudaloso e vai desaguar as suas correntes para a parte do Sul no Rio da Prata, abunda de ouro e suas correntes e suas águas são claras e puras, e suas margens em partes adornada de frescos arvoredos'...' Nesta aldeia se vê o santuário da Senhora do Ó ou da Esperança de seu felicíssimo parto . Esta casa da Senhora fundou o ascendente de uma família daquela cidade de São Paulo a quem chamaram os Bueno, e os seus descendentes são hoje os seus padroeiros e eles são os que fazem a festividade da Senhora o que fazem com muita grandeza, e neste dia é muito grande o concurso de devotos e de romeiros, assim da cidade de São Paulo como dos lugares circunvizinhos'.
Foi essa a origem da nossa famosa capela mineira da Senhora do Ó em Sabará, construída junto das ricas faisqueiras da Tapanhuacanga cujos restos ainda hoje se reconhecem nos terrenos adjacentes. Datando a primeira ermida muito provavelmente dos últimos anos do século dezessete, quando por ali se fixaram os Bueno de São Paulo, foi a ermida reconstruída em 1727 ou 29, já quando estávamos recebendo grandes levas de portugueses que deixavam as Índias tocados de Iá pela ocupação holandesa no Oriente.
A Capela de Nossa Senhora do Ó de Sabará é um magnífico exemplar estilo indo-português, que no Brasil tem seu centro no vale do Rio das Velhas. No meio de exuberante talha dourada sobressaem motivos pictóricos do estilo oriental, ali executados provavelmente após a reconstrução da ermida em 1727 ou 1729. Esta preciosa capela conseguiu escapar à demolição que atingiu velhas igrejas da arquidiocese de Belo Horizonte há muitas décadas e, apesar do desaparecimento de ricas jóias e alfaias que adornavam a Senhora do Ó, está hoje garantida contra os atos de vandalismo pela proteção do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Belo Horizonte, 23 de Maio de 2010.
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