Por Dalton González, Deiber Nunes Martins e Erick Santiago
Um erro é sempre um erro. E não justifica outro erro. Sempre viverei com isso. Este é um lamento a respeito do que podia ter feito àquele homem, meu cruel algoz. O meu arrependimento é não ter dado a ele a piedade que me foi negada. Foi um erro, mas eu aprendi com ele.
Tudo começou há quinze anos atrás. Ainda me lembro do momento em que me apaixonei a primeira vista por Juliana. Era ela a flor mais linda naquela plataforma da estação. Uma linda manhã de sol, apesar do rigoroso inverno. O trem se aproximava lentamente e eu do outro lado da estação. Sob protestos furiosos dos funcionários da companhia ferroviária, saltei a pequena mureta de cercava os trilhos do trem, atravessei-os a poucos metros da locomotiva e num lépido salto já estava na plataforma, pertinho de Juliana, a razão do meu desatino. De perto, ela era ainda mais linda, com os olhos negros arregalados revelando sua surpresa ante minha aventura. Ao perceber tudo, deu ela um lindo sorriso que eu nunca esquecerei.
Seis meses depois estávamos casados e mais um ano depois, tínhamos nosso filho, José. José era uma criança linda e tinha que ser mesmo, afinal tinha todos os traços formosos da mãe. Era um menino que havia nascido para nos dar muitas alegrias. E era mesmo, a alegria da casa. Crescia como todas as outras crianças, alegre e travesso, mas também muito inteligente e bem disposto. Era o motivo de todo nosso orgulho.
Não sou capaz de descrever a minha felicidade naqueles tempos. Éramos pobres, mas éramos felizes. E eu tinha tudo o que precisava para viver. Como eu amava Juliana e José. Eram a melhor parte de mim. Por isso, ainda hoje eu não entendo como sou capaz de existir sem a minha melhor parte.
Era uma tarde de outono e uma brisa gelada sibilava na janela. Eu havia acabado de chegar do trabalho, estava muito cansado e por isso me deixei cair sobre o sofá que tínhamos na sala. Percebi que o mundo girava ao meu redor e tentei me ajeitar por ali, pegando o jornal daquele dia e folheando-o, na tentativa de manter-me acordado, a espera de minha esposa e meu filho, que voltavam da casa do meu sogro. Queria estar acordado na hora em que chegassem mas não consegui e acredito eu que em poucos minutos estava no mais profundo sono.
Acordei terrivelmente agitado por um angustiante pesadelo. Olhei ao redor e estava tudo escuro. Passavam das três da manhã e o vento outrora sibilante na janela era quase ensurdecedor. Fazia muito frio e ali naquela sala começou o meu fim, o meu drama. Era certo que Juliana ainda não havia retornado e não haviam motivos para que ela não o fizesse. Esta certeza exasperou meu coração e após uns instantes comecei a confirmar todos os fantasmas e pensamentos ruins que se avolumavam em minha mente. Meu sogro ficou preocupado com minha ligação e me disse ter se despedido da filha ainda no início da noite. Liguei para amigos e todos regateavam meu sossego, dizendo não saber de Juliana, nem do meu filho. Minha última ligação trouxe o desespero quando uma das amigas de Juliana, disse que tinha passado a noite esperando por minha mulher, com quem tinha marcado um lanche.
Daí em diante minha cabeça começou a girar vertiginosamente e tudo de ruim parecia se transportar da minha mente, para minha vida. Ao final daquela manhã de sexta-feira, recebi a notícia: minha esposa e filho jaziam mortos.
Nada mais fazia sentido. Não conseguia chorar, não conseguia me mover, estava eu completamente em estado de choque. Recuperei um pouco dos sentidos um dia após o funeral, quando descobri que Juliana e meu filho José, haviam sido mortos pela imprudência de um jovem advogado, filho de pessoas ricas e influentes da minha cidade. Este rapaz, dirigindo sob o efeito de drogas e álcool, completamente embriagado, havia avançado o passeio, atropelado e matado a minha família, a melhor parte de mim. Começava então o meu maior e mais terrível desafio.
Os dias que se seguiram foram angustiantes e pareciam não ter fim. Não tinha forças para comer, andar, dormir, não tinha forças para nada. Apenas uma coisa povoava minha mente e todo o meu ser: fazer aquele rapaz pagar pelo que me fez. Ele tinha tirado a minha vida e deveria pagar por isso.
Sabia eu que a influência política de seus familiares impediria qualquer punição contra ele. E realmente assim o foi. Então tratei de planejar um meio de fazer justiça com minhas próprias mãos. Mas não sabia como fazer e em minha primeira tentativa de acabar com a vida dele, fui descoberto e preso por tentativa de assassinato.
Passaram-se cinco anos até que eu tivesse outra oportunidade. Desta vez, eu já sabia como fazer e não haveria fracasso. Queria vê-lo morto por tudo o que ele me tinha feito. Eu acreditava que acabando com aquele infeliz, daria um fim em toda aquela amargura, em todo aquele sofrimento que vivia. Ledo engano.
Engano que fui entender tempos depois. Talvez eu nunca me esqueça das últimas palavras daquele pobre coitado me dizendo:
“Não há uma noite que eu vá dormir sem me lembrar do mal que fiz a sua esposa e filho. Por isso, eu não posso mais viver. Não tenho o direito a vida, uma vida que eu nunca dei valor...”
Aquelas eram palavras que não me causaram nada, naquele momento. Tão cego de ódio estava, que não as compreendi. Elas ecoaram em minha mente sob a forma dos tiros que disparei naquele garoto. Ainda me lembro dele caindo com olhar resignado e o sangue a jorrar pela sua boca. Ainda me lembro disso. E talvez eu nunca me esqueça.
Um erro não justifica outro erro. Hoje eu sei. Mas não foi da melhor maneira que aprendi. Se eu pudesse voltar atrás, eu voltaria. Mas não para julgar que não tenho direito à vida, como aquele garoto inconseqüente julgou. O meu querer era poder mostrar a ele que sim, ele tinha o direito a vida. Assim como eu o tenho, assim como Juliana e José também o tinham. Um erro não se paga por outro.
Belo Horizonte, 17 de maio de 2008.
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