quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Regular a indústria cinematográfica no Brasil é antidemocrático?



Deiber Nunes Martins

O lançamento nos cinemas do aguardado “Jogos Vorazes: A Esperança – Parte Um” fez a Agência Nacional de Cinema – Ancine, abrir um importante debate sobre a concentração dos filmes de grande apelo popular, os chamados “Blockbusters” nas salas, prática cada vez mais comum, realizada pelas grandes distribuidoras de filmes. No Brasil, o filme em questão ocupará cerca de 46% das salas de cinema.
Definida como prática predatória pela Ancine, a concentração de um lançamento do cinema num determinado contingente de salas de exibição impede a divulgação e comercialização de outros títulos, limitando o ingresso das pequenas produções, além de esvaziar o interesse do público pelo que está sendo exibido.
Por outro lado, limitar a quantidade de salas de exibição que um filme pode ocupar é restringir a estratégia de distribuição da indústria do cinema, interferindo diretamente na livre regulação da indústria cultural. Cercear a disseminação de uma produção artística é um duro golpe a democracia do país.
Na França, há uma limitação de salas de exibição para os grandes lançamentos do cinema da ordem de 30%. Se esta mesma legislação vigorasse no Brasil, o filme Jogos Vorazes não seria exibido em 455 das 1310 salas onde está sendo lançado. Se por um lado esta redução do número de salas de exibição, possibilitaria a disseminação de outros títulos com distribuição e estreias mais modestas, por outro, representaria uma censura velada ao filme em 455 salas do país.
Antidemocrática ou não, a limitação das salas de cinema aos títulos blockbusters representaria um avanço da indústria do cinema local, que em geral conta com parcos investimentos em suas produções e a grande maioria deles vêm de empresas públicas e grupos locais. É um fomento à atividade cultural no Brasil. Se por um lado, limita a penetração de um título de grande apelo popular, por outro, abre espaço a novas possibilidades da indústria cinematográfica.
A concentração das salas de exibição de cinema do país em um único título é nociva a diversidade de produções, muitas delas marginalizadas por serem lançadas em conjunto com filmes já consagrados, seja pela produção envolvida, seja pelo trabalho mercadológico feito pelas grandes distribuidoras. Em nada parece ter aqui uma limitação do alcance da democracia. É preciso observar que ampliar a oferta de títulos nas salas de cinema é abrir espaço para diferentes percepções e preferências e, portanto caminhar rumo a democratização deste espaço cultural. Ao contrário, se um filme, ocupa a metade das salas de cinema do país, o que se vê é a perda do interesse do público por uma diversão cada vez mais padronizada e “enlatada”. Não se avalia aqui a qualidade das produções, mas sim a diversidade do gosto nacional.
Portanto, a discussão aberta pela Ancine é de profunda importância para a indústria do cinema. Até que ponto uma produção, detentora de todo arcabouço de distribuição nacional e internacional pode penetrar de forma predatória nas salas de cinema por todo o país? Nada contra o filme Jogos Vorazes ou produção milionária que o cerca. Mas é preciso compreender que o cinema é uma atividade cujo esforço intelectual deve ser preservado, em detrimento do poder econômico que o cerca.
Desta forma, toda prática predatória contra a sétima arte deve ser barrada, independentemente do quão arbitrário isso possa parecer. A intervenção do governo, por meio da Ancine ou de qualquer outra instituição na indústria cinematográfica deve ter como objetivo ampliar os horizontes culturais do povo brasileiro, permitindo que produções mais simples, sem o aporte das grandes distribuidoras também encontrem espaço junto ao público.


Belo Horizonte, 19 de Novembro de 2014

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