sexta-feira, 18 de outubro de 2013

A Letra Fria da Lei


Por Deiber Nunes Martins

O velho drama da adoção volta à tona com a decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais em devolver a guarda de uma menina de 4 anos a seus pais biológicos. A criança, que foi encaminhada a um abrigo de menores com dois meses de vida, vítima de maus tratos dos pais, foi adotada na mesma época por uma família da região metropolitana de BH e agora deve voltar para os pais biológicos, após solicitação dos mesmos. À época, o conselho tutelar também retirou deles outros cinco filhos que já voltaram para a casa. A alegação do pai biológico da menina é que hoje, melhor de vida e livre do vício do alcoolismo, seria capaz de cuidar da mesma, junto de sua esposa, que também fez tratamento contra a depressão. A lei neste caso, prevê a guarda do filho a seus pais biológicos, mas será que este é o melhor caminho numa situação como essa?
Após audiência de instrução, a mãe adotiva da criança, num desabafo, disse ser “uma fria” adotar uma criança e desaconselhou todos os casais que se interessam pela adoção. E de fato, a medida legal desestimula a prática da adoção no Brasil. Imagine o drama de uma criança e seus pais adotivos, após algum tempo, tendo que se separarem para que esta volte ao convívio de seus pais originais? Pai e mãe são aqueles que criam, já nos diz o senso comum. De forma que a identificação da criança com os pais acontece pelo convívio e não pelos laços sanguíneos. Assim sendo, qual não é o trauma da criança ao ser retirada do lar dos pais que ela conheceu e aprendeu a amar, a colocar sua segurança e sua confiança? Sem dúvida alguma, uma situação muito delicada, mas que aos olhos da lei, simplifica-se na letra fria da legislação. O juiz precisa seguir o que está escrito e nada mais.
É aí que mora o calcanhar-de-aquiles da justiça. O positivismo jurídico quebra toda coerência ou bom senso da lei e faz com que a sociedade tome certos “sustos” com as decisões judiciais. A qualquer cidadão de bem, a decisão sensata na questão não seria outra se não a manutenção da guarda da menina com os pais adotivos. Ora, os primeiros pais tiveram a oportunidade de construir um lar e falharam, permitindo que a própria lei retirasse deles a guarda de seis filhos! Não é possível que isso seja negligenciado. Mas é. Quando julga, o juiz, por alguma força pessoal, conduta ou preceito, ele deixa de lado seu papel de cidadão, de pai de família, sua crença e tudo o mais e se insere no contexto frio da lei. É um mundo de códigos, artigos, incisos e parágrafos que definem a vida e a morte, o bem e o mal. Quando sai de seu mundo real, o juiz não pode ser condenado por tal. A propósito, em nossa sociedade civilizada, decisão judicial não se discute, se cumpre. Por isso, não é caso de indignação, mérito ou demérito pessoal e sim a execução sumária da lei em todas as suas letras.
Mas também é uma vida, uma história, uma família. Talvez, seja possível perceber o despreparo dos pais biológicos em criar esta menina, pelo fato de os próprios permitirem que ela viva esta situação. O egoísmo de ambos, talvez possa corromper todo o emocional desta criança que já identifica nos pais adotivos a sua família. A faixa etária de 0 a 5 anos é decisiva para o ser humano, no que tange ao seu emocional. Isso deve ser do conhecido de todo pai e de toda mãe, biológico ou adotivo, afinal são os primeiros cinco anos de uma criança que definirão toda a sua história de vida. Por isso, a própria pendência judicial já se faz um absurdo na vida e na história desta menina.
A decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais representa um golpe na intenção de quem pensa em adotar uma criança. Assim como o tráfico de órgãos desmotiva os pretensos doadores, a devolução de uma criança adotiva a seu lar original desmotiva quem por ventura esteja pensando em dar um lar às crianças abandonadas. E quem perde com isso somos todos nós. Nem sempre a interpretação fria da lei garante a sociedade, o seu melhor.

Belo Horizonte, 18 de outubro de 2013.


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